Mais um final de outro dia cansativo. Ao voltar do trabalho, que se tinha complicado porque tinha emprestado o computador portatil a um amigo para que pudesse fazer aquela viagem à Hungria, decidiu telefonar-lhe. "Ouve lá, estavas à espera que te telefonasse eu para que me devolvesses o computador?", "Epah acabei de chegar, não sejas assim...", "Pronto, desculpa, mas é que preciso mesmo dele, não sei como é que sobrevivi estas duas ultimas semanas sem isso, vou passar aí a busca-lo agora","Agora? Mas vou ao teatro", "Eu levo-te","Levas-me?","Levo, estou aí daqui a 15 minutos, é a que horas?","Ás oito","Ok em 15 estou aí", "Epah fdx... ok até já".
Nem sequer tinha reparado nas horas, mas era cedo, ainda havia muito tempo. Esteve muito tempo à espera à porta do prédio, não podia subir porque não havia lugar para o carro, arrumou em frente a uma garagem e esperou. Já não importava, a estas horas com a boa disposição que levava, esperar até se tornava numa coisa relaxante quando já sabia que tinha que o fazer. A verdade é que por este amigo ele esperava sempre, sentia-se sempre estupido mas esperava.
Então o Pedro desceu, finalmente desceu, com o computador ao ombro, de cabelo lavado, arranjado e perfumado: "porque é que demoraste tanto tempo?", "Queria passar os ficheiros para o meu computador", "Hoh, podias ter descido e depois eu fazia-o em casa e dava-te num DVD ou assim... caga nisso, onde é que é?", "Tirso", "Porreiro, perto de casa, siga não pára!!".
"Então, foi giro?", "Foi lindo, eles estão a trabalhar bem, filmes bons têm os Hungaros, tecnicamente e boas histórias, eu fiquei impressionado. E os meus colegas estavam todos a trabalhar bem, nalgum sítio e as curtas das escolas deles são boas hehe fodass, eu até tinha vergonha de mostrar as nossas hehehe"...
Durante a viagem Pedro falou sobre a sua viagem, coisas que no fundo só lhes interessavam a eles os dois naquele momento, chegaram a Tirso, arrumaram o carro, continuaram a conversar sobre como se devem fazer as coisas e Pedro recebeu uma mensagem: "Se calhar tenho um bilhete extra". "Queres vir?" disse "Porque não, siga, é o quê?", "Um musical, dos duo dinamico, uns musicos espanhóis conhecidos no tempo dos nossos pais... não deve ser grande coisa", "Bora, experimentar não dói e é grátis".
Quando o Simão e o Pedro se encaminhavam para o teatro o irritantissimo toque de telemóvel a anunciar o telefonema da miuda obriga o Simão a ir pedir um bocadillo de calamares, uma coca-cola e a preparar-se para um largo periodo de falta de companhia.
Era hora de espreitar, eu não ia arranjado nem penteado, tudo o que tinha eram uns ténis rotos com nove anos e vários kilómetros, uns calções e uma camisola verde, com capuz. Tudo era brilhante, a carpete vermelha, os focos pequeninos nas câmaras de televisão, as paredes brancas do interior do teatro, os brincos, os relógios, os cintos, os vestidos, as peles (boas peles), tudo era brilhante menos o que se dizia.
Sinto-me observado, quem está a olhar? Olá, estou-te a ver, porque é que estas a olhar para mim? É o meu cabelo despenteado tapado pelo capuz? As pernas peludas à mostra por causa dos calções? Ou os ténis, os meus ténis rotos? Não, estás a olhar directamente para os ol..."Simão! Olha os Bilhetes. Vamos lá acima ver bem o cenário? O meu pai está um bocado chateado porque o sentaram na 3ª fila e lá em baixo, diz que se vê bem é em cima, o cenário está feito nas laterais também."
Depois do passeio as luzes acendem e apagam, vai começar...
E é tãããão aborrecido... Musica que não conheço, maus actores, uma ou duas coreografias engraçadas, uma bailarina chinesa fantástica e o intervalo, finalmente o intervalo...
"Pepitos, acho que me vou embora, estou farto, isto é mau e estou cansado", "Sim, é chato, e eu estou meio doente também vou". Despeço-me dos pais e dou-lhe o tempo que precisa para o fazer... mas saio. Chove pouco e enrolo um golden virgínia, não consigo deixar de pensar na imagem desde fora, verde no centro, tapete e alcatifa vermelhas por fora; muita gente bem vestida à volta de um maltrapilho, chuva, um teatro na medida do real, afinal sempre valeu a pe..."Hola", (quem é?) "huh... Hola?!"
"Que tal? yo estoy ya medio dormida", "Si, te entiendo, esto es muy malo... yo estoy cansado, puedes ver que he venido del curro directo, quiero dormir... a lo mejor me tomo algo antes...","Si... tu puedes - olha para trás - yo no, me invitaron mis amigos y tengo que quedarme", "Vale, pues... hasta la proxima", "Si, vale hasta luego", "Hasta Luego".
Fantástico, nunca me tinha acontecido. Subiu as escadarias laterais e fiquei em frente às grandes portas de vidro, voltei a acender o cigarro que se tinha apagado com a conversa e com a humidade que tinha subido no ar. Começou a chover mais, o pepitos demorava e ela ficou na mezzanine la de cima a conversar com uma amiga, apanhei-a a olhar para baixo e acenei. Quando me acenou de volta fiz o tópico movimento de levar o telefone ao ouvido com o polegar e o mindinho e de escrever num papel, foi uma descida triunfante e tudo estava encenado, melhor que encenado:real. Depois? Apareceu o pepitos e fui para o meu bairro tomar umas cervejas com uns amigos que estavam lá à espera.
Pleymo - Blohm